sexta-feira, janeiro 26, 2007

onde foste tu ontem que hoje nem te vi?

Que desarrumação a nossa vida, Clarinha. Olha à tua volta e vê se te dás conta? Algo está fora do sítio.

pára, respira, e começa de novo a contar da frente para traz, de 10 para zero.

Nada há a fazer clarinha, chegamos ao ponto da inevitável ruptura.

Tira as vendas que te ferem quando te encontras sozinha com a manhã, onde pisas a terra queimada pelo sol.

e tu bem sabes, Clarinha, que o nosso caminho não é o mais honesto. Aquiles caiu pelo calcanhar, Sanção pelo cabelo, tu caíste pela renúncia.

Suspende sob a minha cabeça, a espada de Democles, e por isso, hoje, não te falto à verdade, não queimarei mais os pés no trilho que pisas, não tenho mais sitio onde por o pé.

Não é por falta de palavra, não é por falta de fé, mas não te quero ver sempre a tropeçar no caminho que percorremos. Clarinha, o nosso caso é fácil de decompor. Não é o preciosismo meu, querer atingir o máximo de pacificação interior, ou a paz. Tu queimas-te as pontes que nos uniam, e eu incendiei o rio por vingança. Agora não me podes vir cá buscar, sou eu que quero ficar do outro lado do rio, sentado na margem do engano, dobrado como se fosse uma folha de Outono triste. Não confies que o tempo, tudo cura, que o tempo nos irá resgatar. Fomos nós que cavamos um fosso entre o ontem e o hoje, e seguimos assim, sem rumo para o Amanhã. Não quero experimentar outra viagem, a ruptura é o que me parece certo neste momento. Não quero ser eu o percursor de uma vida atormentada de fantasias, sonhos esquecidos e claro está, vidas adormecidas.

e tu bem sabes, Clarinha, que o nosso caminho não é o mais honesto. Aquiles caiu pelo calcanhar, Sanção pelo cabelo, tu caíste pela renúncia

onde foste tu ontem que hoje nem te vi?

Clarinha, hoje acordei a chamar por ti, a e a enfermeira do lar disse-me que já cá não estavas há 10 anos.

lembro-me bem do dia em que te mandei embora e de ter tanta certeza como razão.

Que desarrumação era a nossa vida clarinha, lembras-te quando foste para o hospital, e contas-te da frente para traz, de 10 para zero.

pára, respira, e começa de novo a contar da frente para traz, de 10 para zero.

Nunca chegaste a acordar. Andava eu a adiar a ruptura e tu quiseste a renuncia.

onde foste tu ontem que hoje nem te vi? Tenho imensas saudades tuas, clarinha.

 
posted by lucas nihil at 2:30 AM |
segunda-feira, janeiro 15, 2007













Fotos do Autor do blog

 
posted by lucas nihil at 2:31 AM |
sexta-feira, janeiro 12, 2007

Ontem, pela tarde na Confeitaria, mesmo ao fim da tardinha, ouvi o gemido do teu vestido ranger, quando apressadamente, a julgar pela pressa que levavas nos gestos, entraste na Confeitaria da D. São. Olhas-te para mim só para saber quem te olhava, nunca com a intenção de saberes quem eu era. Assim entendi.

Sei que falo assim comigo próprio, porque aqui no meu quarto ninguém me ouve, e sei que amanhã quando tornares a aparecer, com o teu vestido a varrer o ar por onde passas, apressada, voltarás outra vez só para pedir o pão, e sairás com ele na mão, acompanhada somente pela tua altivez.

Na confeitaria, ontem senti uma certa mágoa, pois julgava-me merecedor de um olhar menos ausente, não que seja louco para pedir-te um olhar com afecto, mas um olhar vazio, isso não, isso não o merecia. Eu, todos os dias apareço sem demora, baloiço nos minutos e nas horas só para te ver chegar e como recompensa recebo de ti, um olhar frio. E quase que aposto que quando abres a porta, sabes e sentes que flutuas no meu olhar.

Se foi por mal ou sem intenção, eu estou decidido a deixar de perder mais o meu tempo, por tua tamanha falta de atenção. Aqui que ninguém me ouve, sei que isto tudo pode ser fruto da minha imaginação, mas eu por ti, Rita, correria o mundo.

Que idiotice a minha, mais pareço um adolescente enamorado que um adulto esclarecido. Amanhã na confeitaria, olharei para ti friamente, como se fosses ausente, direi mesmo, como se fosses transparente e sairei apressado para que tu notes bem o meu desagrado.

Estou decidido.




Ontem na confeitaria, julguei que em mim ele reparava. Ainda olhei muito discretamente, tenho medo de ser pouco atraente ao seu olhar. Ultimamente, pode ser fruto da minha imaginação, acho que sinto uma certa atracção pela sua fisionomia, para ser sincera, até dos seus gestos, demonstra uma segurança que me faz manter uma certa distancia. Aqui que ninguém me ouve, sou bastante insegura.

Eu sei que vive sozinho no 2º andar, em frente ao meu prédio. Muitas vezes fico a observa-lo através do cortinado da minha janela, quando brinca com a filha da D. Rosa ou conversa com o porteiro, e fico sempre à espera que se dirija à confeitaria. Depois, quase como uma adolescente, vou-me arranjar, apenas para ir buscar pão. Talvez amanhã, se realmente ele de novo para mim olhar, devolver-lhe-ei um leve sorriso, quem sabe, talvez tenha coragem. É isso, amanhã talvez tenha coragem para olhar para os seus olhos castanhos, cor avelã, que me deixam sempre nervosa. Um sorriso, quem sabe, será um bom começo.

Estou decidida.




Raisparta o homem, vem aqui, senta-se, lê o jornal, olha para o relógio, e nem dá pelo meu ar atrás do balcão. Ele não é bonito, isso não é, mas é educado, e nos dias de hoje arranjar assim um homem não é fácil. Pode ser fruto da minha imaginação, mas cá para mim, acho que ele vem cá, só para ver aquela enjoadinha.

Eu cá para mim, só pode. Sim, aquela sonsa da Rita, que trabalha num escritório, no centro da cidade e julga-se mais que ninguém. Uma pirosa, que nem se sabe vestir, com botas de cano alto, horrorosas, vestidos coloridos, parece mesmo uma rameira, sempre com as unhas cumpridas. Unhas de gel, precisam de manutenção, dizia ela no outro dia à D. rosa. Até fiquei burra, com o dinheiro que ela gasta, só com o estupor das unhas. Coitado daquele que a levar, para manter uma mula assim, mais vale manter um burro a pão-de-ló.

Raisparta o homem, que só tem olhos para ela. Ou eu não me chame Maria da Conceição, se um dia destes, decidida ainda lhe abro os olhos Eu, uma mulher séria, que já tudo fiz para lhe agradar, sempre a rir-me para ele, sempre muito bem posta. Raisparta o homem, embeiçado por uma sirigaita daquelas. Tenho espelho em casa, e aqui que ninguém me ouve, até sou jeitosa, por isso, homem já teria arranjado mal eu quisesse.

Mas os homens que conheço, sei bem o que eles querem. Querem uma criada, óh óh! Uma criada. Para isso já me chega o balcão da confeitaria. Ai que nervos! Isto não fica assim, não passa de amanhã.

Estou decidida.




 
posted by lucas nihil at 2:45 AM |
terça-feira, janeiro 09, 2007
Pé-d'água das palavras

Gotículas de palavras,
pingam na calha do meu
coração de pedra dura.
Uma a uma, pingam gotículas
de perfeitos desdéns. E
quando na calha nos cai
amargura, sente-se o hálito
de sentimentos reféns.
Palavras de pedra mole
ou água pura, nunca são
leves. Habitam no meu
coração de pedra dura.

Asilo das Palavras

Nesta árida paisagem
diluis, no vapor do meu hálito
as tuas palavras húmidas.
São sílabas, oxidadas
na enferrujada engrenagem,
dos meus fecundos abrigos.

As palavras perfeitas

Não queiras de mim palavras.
As palavras são sopradas,
tanto ao vento, como ao tempo.

Com palavras prometidas

Vive-se suspenso
no tecto do mundo
a sonhar
sonhos de encantar

Ausência das palavras

Na exalação
do meu hálito,
respira
alma e coração.
 
posted by lucas nihil at 3:38 AM |