sexta-feira, janeiro 12, 2007

Ontem, pela tarde na Confeitaria, mesmo ao fim da tardinha, ouvi o gemido do teu vestido ranger, quando apressadamente, a julgar pela pressa que levavas nos gestos, entraste na Confeitaria da D. São. Olhas-te para mim só para saber quem te olhava, nunca com a intenção de saberes quem eu era. Assim entendi.

Sei que falo assim comigo próprio, porque aqui no meu quarto ninguém me ouve, e sei que amanhã quando tornares a aparecer, com o teu vestido a varrer o ar por onde passas, apressada, voltarás outra vez só para pedir o pão, e sairás com ele na mão, acompanhada somente pela tua altivez.

Na confeitaria, ontem senti uma certa mágoa, pois julgava-me merecedor de um olhar menos ausente, não que seja louco para pedir-te um olhar com afecto, mas um olhar vazio, isso não, isso não o merecia. Eu, todos os dias apareço sem demora, baloiço nos minutos e nas horas só para te ver chegar e como recompensa recebo de ti, um olhar frio. E quase que aposto que quando abres a porta, sabes e sentes que flutuas no meu olhar.

Se foi por mal ou sem intenção, eu estou decidido a deixar de perder mais o meu tempo, por tua tamanha falta de atenção. Aqui que ninguém me ouve, sei que isto tudo pode ser fruto da minha imaginação, mas eu por ti, Rita, correria o mundo.

Que idiotice a minha, mais pareço um adolescente enamorado que um adulto esclarecido. Amanhã na confeitaria, olharei para ti friamente, como se fosses ausente, direi mesmo, como se fosses transparente e sairei apressado para que tu notes bem o meu desagrado.

Estou decidido.




Ontem na confeitaria, julguei que em mim ele reparava. Ainda olhei muito discretamente, tenho medo de ser pouco atraente ao seu olhar. Ultimamente, pode ser fruto da minha imaginação, acho que sinto uma certa atracção pela sua fisionomia, para ser sincera, até dos seus gestos, demonstra uma segurança que me faz manter uma certa distancia. Aqui que ninguém me ouve, sou bastante insegura.

Eu sei que vive sozinho no 2º andar, em frente ao meu prédio. Muitas vezes fico a observa-lo através do cortinado da minha janela, quando brinca com a filha da D. Rosa ou conversa com o porteiro, e fico sempre à espera que se dirija à confeitaria. Depois, quase como uma adolescente, vou-me arranjar, apenas para ir buscar pão. Talvez amanhã, se realmente ele de novo para mim olhar, devolver-lhe-ei um leve sorriso, quem sabe, talvez tenha coragem. É isso, amanhã talvez tenha coragem para olhar para os seus olhos castanhos, cor avelã, que me deixam sempre nervosa. Um sorriso, quem sabe, será um bom começo.

Estou decidida.




Raisparta o homem, vem aqui, senta-se, lê o jornal, olha para o relógio, e nem dá pelo meu ar atrás do balcão. Ele não é bonito, isso não é, mas é educado, e nos dias de hoje arranjar assim um homem não é fácil. Pode ser fruto da minha imaginação, mas cá para mim, acho que ele vem cá, só para ver aquela enjoadinha.

Eu cá para mim, só pode. Sim, aquela sonsa da Rita, que trabalha num escritório, no centro da cidade e julga-se mais que ninguém. Uma pirosa, que nem se sabe vestir, com botas de cano alto, horrorosas, vestidos coloridos, parece mesmo uma rameira, sempre com as unhas cumpridas. Unhas de gel, precisam de manutenção, dizia ela no outro dia à D. rosa. Até fiquei burra, com o dinheiro que ela gasta, só com o estupor das unhas. Coitado daquele que a levar, para manter uma mula assim, mais vale manter um burro a pão-de-ló.

Raisparta o homem, que só tem olhos para ela. Ou eu não me chame Maria da Conceição, se um dia destes, decidida ainda lhe abro os olhos Eu, uma mulher séria, que já tudo fiz para lhe agradar, sempre a rir-me para ele, sempre muito bem posta. Raisparta o homem, embeiçado por uma sirigaita daquelas. Tenho espelho em casa, e aqui que ninguém me ouve, até sou jeitosa, por isso, homem já teria arranjado mal eu quisesse.

Mas os homens que conheço, sei bem o que eles querem. Querem uma criada, óh óh! Uma criada. Para isso já me chega o balcão da confeitaria. Ai que nervos! Isto não fica assim, não passa de amanhã.

Estou decidida.




 
posted by lucas nihil at 2:45 AM |