I
Na dobra do teu joelho
Vejo o que sobra do meu espelho.
Na ampulheta do medo
Ou na silhueta do teu segredo
Fica a curva do meu novelo.
Na turba do teu cabelo
Escorre o grão de areia
Que morre na maré-cheia
E no rio braço de mar
ao frio e ao Deus-dará
Quem me salvará?
É um passo
Do espaço, do meu lugar
Ao escasso raio de luar,
Onde só
Sobra a luz do meu pensar
Não é cruz que ando a carregar,
Mas sim o fio do novelo
Que daqui
[ Quem diz de aqui
diz até ali]
vai do teu cabelo
À dobra do
Eu joelho
II
Não vou iludir o meu sofrer
Ou mentir por teu bel-prazer
Talvez sorrir por desistir
Porque sem partir já fui antes de ir
Sou o delírio dos esquecidos
O martírio dos preteridos
Nas garras da aflição
Nas amarras da condição
Sou a triste figura da poesia
Crio o rio frio dogma da alergia
E se o pé foge do chão?
E se a fé escolhe a razão?
Perdido vou ficar
Esquecido a navegar!
Alheio à minha condição
Em cheio inspiro sem pulmão
Para aguentar este remar
Para tentar vivo chegar
Não é longe o lugar
[Quem diz lugar diz ali
e pode bem dizer aqui]
à luz do teu cabelo
na dobra do meu joelho
III
E se sem querer
Eu quiser querer
Partir para descobrir
Um outro qualquer novelo,
Noutro qualquer fio.
E se noutro qualquer cabelo
Se me prender o olhar?
Frio rio
braço de mar
Existe o Frio de Roma a pavio,
E navegar sem parar
É correr para não morrer
Neste momento
Sem alento
Tudo pode acontecer aqui
[ Quem diz aqui
muito bem pode dizer ali]
na distancia que vai
do meu cabelo
À dobra do teu joelho